Quero convidar você, caro leitor, a refletir sobre a Festa da Misericórdia Divina, celebrada oficialmente na Igreja, a partir do ano 2000, no Domingo após a Páscoa. Certamente não se pode esgotar aqui o tema, visto que o próprio Jesus já nos ensinou que “A Minha misericórdia é tão grande que, por toda a eternidade, nenhuma mente, nem humana, nem angélica a aprofundará” (Diário de Santa Faustina, 699). Quero apenas oferecer alguns elementos para sua reflexão e oração, no empenho de permitir que você possa cada vez mais experimentar em sua vida as graças abundantes do coração misericordioso de Jesus. Minha proposta é meditar justamente o parágrafo 699 do Diário, de onde retiramos a citação anterior. Eis o que Jesus disse a Santa Faustina, naquela ocasião:

Sem dúvida, como você pode notar, trata-se de um trecho relativamente pequeno, mas de conteúdo muito denso. É próprio de Jesus falar desse modo. No Evangelho temos inúmeros exemplos de passagens em que Jesus, em poucas palavras, preenche nossa mente e nosso coração com a sabedoria do alto. Um bom exemplo disso são as parábolas. Procuremos, então, compreender passo a passo o sentido profundo dessa palavra de Jesus.
“Desejo que a Festa da Misericórdia seja refúgio e abrigo para todas as almas, especialmente para os pecadores” - Um olhar atento e cuidadoso para o Diário de Santa Faustina revela a insistência de Jesus, e até mesmo sua pressa, em que seja aprovada, difundida e celebrada na Igreja a Festa da Misericórdia. O tema aparece 25 vezes ao longo de todo o texto. Cada um de nós poderá dedicar algum tempo especial para refletir sobre essas passagens realmente maravilhosas que revelam a predileção de Jesus por essa Festa. Seguem os números dos parágrafos que se referem à Festa da Misericórdia, para que você possa aprofundar seu significado: 49, 74, 88, 206, 280, 299, 300, 341, 420, 458, 463, 505, 570, 699, 715, 742, 796, 1041, 1042, 1059, 1073, 1082, 1109, 1517, 1530.
“Neste dia, estão abertas as entranhas da Minha misericórdia. Derramo todo um mar de graças sobre as almas que se aproximam da fonte da Minha misericórdia” - Ao longo do ano litúrgico, a Igreja celebra os principais fatos e acontecimentos da vida de Jesus: encarnação, nascimento, vida pública, morte e ressurreição, ascensão, descida do Espírito Santo sobre a Igreja etc. A liturgia é, pois, a memória do mistério de Cristo. Não é apenas uma “recordação” de algo do passado, mas uma atualização no presente daquilo que Deus realizou num determinado momento da história da salvação e que continua a realizar em nossa vida. Isso é o que significa a expressão “memória” na liturgia: nós revivemos, a cada dia, o mistério da vida de Jesus, com toda a força e o poder de Deus em nossa história atual. Nesse contexto, também se insere a celebração da Festa da Misericórdia. Trata-se de uma atualização, no presente, do momento em que a fonte da Misericórdia Divina se abre e os raios do amor misericordioso de Deus se derramam sobre toda a humanidade. Nós revivemos, no momento presente, na história pessoal de cada um de nós, aquilo que Jesus fez na cruz, ao deixar que a lança abrisse seu coração, para dele derramar sobre todos nós a graça infinita da sua misericórdia.
“Que nenhuma alma tenha medo de se aproximar de Mim, ainda que seus pecados sejam como o escarlate” - A Igreja proclama a misericórdia como o maior atributo, a maior qualidade de Deus. A encíclica sobre a Misericórdia Divina, do Papa João Paulo II, começa justamente com essas palavras “Deus é rico em misericórdia”, retiradas da carta de São Paulo aos Efésios, capítulo 2, verso 4. Para Deus, de fato, não importam mais os pecados quando a alma se arrepende e volta para Ele. A parábola do filho pródigo bem revela esse amor do Pai que esquece o erro do filho: antes mesmo que o filho pudesse se explicar e pedir desculpas (leia o texto e veja que o filho tinha até ensaiado as palavras que diria ao pai), o pai o abraça, o beija e manda preparar uma festa (Lc 15,20ss).
“A Minha misericórdia é tão grande que, por toda a eternidade, nenhuma mente, nem humana, nem angélica a aprofundará”- A Misericórdia Divina não pode ser compreendida racionalmente, é um mistério. E o que significa a palavra mistério: aquilo sobre o qual devemos nos calar. O mistério não é para ser compreendido, mas para ser vivido. Entre todos os mistérios de Deus, está o de sua infinita misericórdia por cada um de seus filhos e filhas. A imagem humana que alguns fazem de Deus é carregada do aspecto da justiça: Deus parece um ser vingativo e justiceiro. Esse é o “deus”, com d minúsculo, feito à nossa imagem e semelhança. O Deus de Jesus Cristo é o Deus do amor e da compaixão, do perdão e da misericórdia. Não se pode compreender esse mistério, mas podemos fazer a experiência desse amor. Por isso, como eu costumo dizer, dificilmente alguém poderá falar da misericórdia de Deus sem antes ter feito a experiência, em sua vida, de ter sido resgatado por ela.
“Tudo o que existe saiu das entranhas da Minha misericórdia” - Que revelação maravilhosa! Quem dera pudéssemos aprofundar cada dia mais seu sentido, então nossa vida seria totalmente transformada. No início do Evangelho de São João, encontramos essas palavras: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito de tudo o que existe” (Jo 1,1-3). Veja que mistério mais lindo e profundo: tudo o que existe nasceu da misericórdia de Deus. Olhe para sua vida, para tudo o que existe ao seu redor, para tudo o que você tem: tudo isso brotou do coração amoroso de Deus. Sim, pois se Deus não precisa de nada, por ser plenitude em si mesmo, a obra da criação não é questão de necessidade, mas de amor. Deus não precisava ter criado nada, mas criou porque ama. E é o mesmo São João que dirá, em outra passagem: “Deus é amor” (1Jo 4,8). E o que é o amor senão a mesma misericórdia divina? Precisamos entender bem a palavra misericórdia. Ela é formada por duas palavras latinas: “miser”- que significa pobreza, indigência, miséria; e por “cordis”- que quer dizer coração. Então, o que significa misericórdia? Significa abrir o coração para a miséria do outro. É o que Deus faz quando se inclina sobre nós. O que há em nós senão miséria? E o que há em Deus senão amor? É na experiência da misericórdia de Deus, portanto, que se dá a profunda realidade do encontro entre a nossa humanidade, que é miséria, e a grandeza de Deus, que é amor. A miséria é propriedade humana, em Deus não há miséria, seria uma contradição. O amor, por sua vez, é propriedade de Deus: em nós, por nossas próprias forças, não há amor, mas egoísmo, fruto do pecado. Quando existem em nós manifestações de amor, isso já é fruto da graça de Deus, como completa São João: “Pois o amor é de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus” (1Jo 4,7).
“Toda alma contemplará em relação a Mim, por toda a eternidade, todo o Meu amor e a Minha misericórdia” - Contemplar significa ver com os olhos do coração. Quando estivermos do outro lado da montanha da vida, na eternidade, o que vamos contemplar em Jesus? Sua grandiosidade e onipotência, seu poder e sua glória? Assim pensamos nós. Mas, o que afirma Jesus é que vamos contemplá-lo por aquilo que lhe é mais peculiar: a sua misericórdia. Veja que é isso que Jesus mais prioriza e é assim que Ele quer que o vejamos. As pessoas gostam de serem vistas por aquilo que são, ou que parecem ser, o que é pior. Jesus não quer que o vejamos desse modo, com os olhos humanos, que não sabem direito o que é mais importante para ser visto. Ele quer que o vejamos justamente por aquilo que é a maior de suas qualidades, o maior de seus atributos: a misericórdia! Que outro “deus”, concebido pelos homens, se distingue pela misericórdia? E mesmo o verdadeiro Deus poderia distinguir-se pela sua grandeza e poder, pela sua majestade, mas preferiu distinguir-se pelo amor e pela compaixão. Esse é o grande mistério que une o céu à terra.
“A Festa da Misericórdia saiu das Minhas entranhas” - Para a pessoa humana, as entranhas têm um significado especial: trata-se daquilo que vem do mais profundo do ser. É das entranhas da mãe que nasce o filho. Tudo o que é mais forte em nossa vida, nós sentimos nas entranhas. Você já percebeu que uma emoção forte como o medo ou a felicidade mexem com o nosso estômago e a nossa barriga? É porque as emoções são forças que vêm lá de dentro, de nossas profundezas, de nossas raízes. Isso nos ajuda a compreender a afirmação de Jesus que diz “A Festa da Misericórdia saiu das Minhas entranhas”, isto é, do mais profundo de seu ser, das suas raízes, do seu íntimo. Não é algo superficial, como um simples anseio, mas um desejo profundo, algo que tem que ver com o próprio ser. Veja, querido(a) leitor(a), o quanto Jesus valoriza essa Festa. Como deve ser grande todo o rio de graças que Ele tem para nós, quando celebramos esse dia!
“Desejo que seja celebrada solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa” - A escolha do primeiro Domingo depois da Páscoa para a Festa da Misericórdia tem um profundo sentido teológico e espiritual. Revela-se assim a união profunda que existe entre o “mistério pascal da Redenção” e o “mistério da Misericórdia de Deus”. Esta união está ainda sublinhada pela Novena, com o Terço da Misericórdia Divina, começando na Sexta-Feira Santa. Ao escolher esta data para a Festa, Jesus quer mostrar que sua paixão, morte e ressurreição culminam na celebração da sua infinita misericórdia. Trata-se de uma mesma realidade, de um mesmo amor, de uma mesma entrega da sua vida em resgate da humanidade. É por isso que no prefácio da Oração Eucarística número VII, a Igreja reza: “Vós, Deus de ternura e de bondade, nunca Vos cansais de nos perdoar”. E repete-se o refrão: “Como é grande, ó Pai, a Vossa Misericórdia!”.
“A humanidade não terá paz enquanto não se voltar à fonte da Minha misericórdia” - Por fim, Jesus faz essa declaração que nos deixa ainda mais surpresos. O desejo de paz, tão forte no coração de todas as pessoas, sobretudo nesse período da história humana em que tantos conflitos armados e tanta violência assolam o nosso planeta, só será plenamente satisfeito quando nós nos voltarmos à fonte da Misericórdia Divina. Não há outro caminho para a paz. Os homens tentam construir a paz sem Deus, nós também tentamos às vezes construir nossa vida sem Deus, mas assim nunca chegaremos à verdadeira paz. No Evangelho de São João, lemos: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá” (Jo 14,27). E ainda, depois da ressurreição, Jesus aparece aos discípulos, escondidos no cenáculo, e lhes diz duas vezes: “Paz a vós” (Jo 20, 19-20). A Misericórdia Divina é o verdadeiro caminho para a paz.
Caro leitor(a), como eu disse no início, este artigo não encerra o assunto, mas é apenas um convite para você aprofundar dia-a-dia a mensagem apresentada. Que Jesus Misericordioso nos ajude a compreender o sentido profundo da Festa da Misericórdia e a viver cada dia mais à sombra do seu amor!
Pe. Ednilson de Jesus, MIC
Pároco e Reitor do Santuário da Divina Misericórdia
Artigo publicado na Revista Divina Misericória, nº 2 - abril de 2008.
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